A afirmativa acima pode e deve ser estendida tão amplamente quanto possível, relativizada em todos os sentidos e problematizada extensivamente: em primeiro lugar, inserir o Brasil na "nova ordem" (e até aqui somente manterei as aspas) não significará de maneira alguma submeter uma nacionalidade (a nossa!) a outras, ou abdicar a qualquer uma, ou, no meu entender, menos ainda, priorizar esta ou aquela nacionalidade em detrimento de qualquer benefício coletivo supranacional ou internacional, no sentido geral de VELLOSO, FRITSCH et alii , dentre outro autores; em seguida, compreendo nova ordem como à situação dinâmica de transformações que o mundo passou a apresentar em sua estrutura geopolítica e megaeconômica nos períodos imediatamente antecedente e subseqüente à derrocada dos regimes socialistas no leste-europeu; neste sentido a nova ordem tem muito mais de "nova" que propriamente de "ordem", ficando o adjetivo com a mais relevante parcela semântica da expressão, pelo que se pode depreender da discussão em torno do tema ; o condicionamento da inserção a uma ordem que é mais "nova" que "ordem" propriamente, significa que esta inserção pode ou não ocorrer, que ela pode ocorrer em maior ou menor grau, que ela pode ocorrer de formas diferentes e segundo relações de forças diferentes; o passo seguinte em minha afirmativa, que menciona adequação, refere-se a toda transformação que se fizer necessária, dentro de um projeto em que se tenha um determinado tipo de inserção como meta coletiva identificada; as instituições a que me refiro são todas, o governo, os partidos, os sindicatos, as associações profissionais, ONGs de toda espécie etc.; o mercado aqui referido, por sua vez, é também compreendido no mais amplo sentido, ou seja, todas as ofertas e demandas econômicas, políticas e sociais conjugadas e interagintes; e global por considerar-se na afirmação que, em quaisquer venham a ser os modelos adotados, o componente macrodimencional das relações internacionais em todos os campos do já referido mercado, são um fator que se pode tomar como ponto passivo. Voltarei a estas questões como um pouco mais de profundidade à frente.
Em artigo exaustivamente veiculado como Introdução a vários volumes de sua organização nas publicações do Fórum Nacional , o ex-Ministro Reis Velloso estabelece uma conexão necessária entre governabilidade e o alcance de um desejável grau de modernidade econômica, política e social.
Quero crer que as adequações institucionais ao mercado, a que me referi acima, sejam as mesmas que levem a estas modernidades, as mesmas capazes de gerar a governabilidade de longo prazo. Isso do ponto de vista segundo o qual as adequações em referência constituam um projeto nacional ideal ou em curso e a mencionada inserção um desiderato coletivo identificado, aspectos estes que, a partir deste ponto, passo a ter como premissa.
Governabilidade em longo prazo, em tempo histórico de longa duração, num mundo completamente interdependente, paradoxalmente submetido (ainda que provisoriamente) à hegemonia dos EUA, significaria alcançar-se uma paz universal que, se desejável do ponto de vista utópico, certamente não se entrevê, pelo menos em curto prazo, sob outra ótica.
Esta governabilidade a longo prazo se aproxima muito do que tem sido chamado "fim da História" por Fukuyama e pelos que lhe seguiram os passos. Esta governabilidade em longo prazo, ou a falta de perspectiva para que ela seja alcançada é que Hobsbawn parece ter se desiludido de ver em nossos dias, por inúmeros problemas locais, alguns ligados a grupos ultranacionalistas, e outros problemas globais como o recrudescimento do xenofobismo e a própria falibilidade do liberalismo keynesiano, mesmo em sua vertente dita neoliberal, em que os países redemocratizados do leste têm se mergulhado, um tanto apressadamente (ainda segundo Hobsbawn).
Ou seja, do conjunto destas opiniões: adequar as instituições às demandas do mercado global alcançando assim a governabilidade seria dar um passo na direção do fim da história, que está tão distante quanto sempre, pois a derrocada do socialismo, ao contrário de simplesmente eliminar os problemas a guerra fria, trouxe de volta antigos problemas que estavam "congelados" pelo socialismo e pela bipolarização.
Este último parágrafo propositalmente mistura as idéias dos autores construindo um paradoxo que, se apresenta uma lógica aparente, posto que frágil, não passa de um artifício meu para argumentação.
Minha tese, pelo contrário, e sou otimista confesso, é que estamos nos aproximando de um tempo em que às condições gerais serão consideravelmente melhores que as de qualquer outro período histórico para qualquer corte geográfico, e no qual os atores globais agirão de uma forma cooperativa muito mais nítida e com uma continuidade positiva no desenvolvimento desta cooperatividade.
Creio que se esteja alcançando no mundo moderno um estágio no qual se perceba que a cooperação é a melhor condição de competição, e vice-versa. Voltarei a este ponto.
Por enquanto pretendo apontar alguns aspectos da ordem internacional como fatores a serem vistos como determinantes para a natureza das transformações institucionais que ora estão em curso e cuja dinâmica e tendências devem ser bem compreendidas para a elaboração de qualquer projeto em longo prazo.
PANORAMA INTERNACIONAL
O primeiro aspecto que pretendo apontar é a questão do liberalismo e do neoliberalismo. Tomado um pelo outro, compreendido em sua forma atual como a unanimidade praticada pelo mercado global, há ainda uma série de realidades diferentes nas quais pretende-se que se pratique uma mesma doutrina (ou exerça a mesma prática) econômica; as discrepâncias entre os hemisférios Norte e Sul, ao contrário de diminuírem, vêm se recrudescendo; dentro do Brasil, a distância entre os mais pobres e os mais ricos é maior nos últimos anos, e a proporção entre uns e outros é ainda mais desigual , na maioria dos nesses a realidade não é muito melhor que aqui. Mesmo no primeiro mundo, malgrado o gigantesco esforço financeiro e gerencial dos países mais ricos, há ainda um enorme fosso entre o Oeste (principalmente os países de democracia estável desde a Segunda Guerra) e o Leste (recém advindo do socialismo).
A este respeito veja-se artigo de Helmut Koln (em VELLOSO, 1993a); por outro lado, há uma pluralidade de liberalismos (enquanto movimento de idéias, enquanto origens distintas, enquanto concepções de estado) que, se ultrapassarmos o extrato comum estabelecido pela economia de mercado e pelo estado mínimo, já estaremos em tantas vertentes quantos são os autores que se dedicam ao tema . Mas também não é o aspecto da gênese ou a tipificação do liberalismo que importa aqui centralmente. O cerne da questão é se o liberalismo é viável, se é compatível com a democracia procedimental (de Bobbio, ainda) ou qualquer outra, e se será a alternativa para integrar parcelas cada vez mais abrangentes ao mercado econômico e político.
O problema que se coloca para o liberalismo neste momento histórico não é o mesmo com o qual ele já se defrontou anteriormente, pois a realidade dos megamercados e da dinâmica dos fluxos de capitais por todo o planeta constituem uma novidade. E não estamos mais questionando se o liberalismo será viável aqui ou ali, ou se durante tanto ou quanto tempo, mas a questão que se apresenta é se o liberalismo é a alternativa que dará conta de regular todo o mercado global e todos os mercados globais, o político, o econômico, e o social, satisfazendo crescentemente às complexas demandas que continuamente crescem em cada um destes setores.
Esta questão sobre a hegemonia do liberalismo e sua viabilidade decorre de uma outra que é não menos importante para a compreensão da ordem atual, bem como aponta seguramente caminhos pelos quais não se pretende (ou pelo menos não sei de quem mais pretenda) caminhar: o fim do "socialismo real", ou seja, sua capitulação face à economia de mercado no final dos anos 80 recoloca determinadas questões sobre a concepção de mundo no estágio em que estavam no século XIX, ao mesmo tempo em que lança o mundo no século XXI avant la letre, ainda nos anos 90. No pensamento de Hobsbawn (op.cit.) o século XX teria sido a era em torno da Revolução de Outubro. E este tempo acabou. Aliás acabou tudo, ou pelo menos Hobsbawn – malgrado sua discordância com Fukuyama – deu seu adeus a tudo aquilo, ainda que o fazendo numa direção completamente oposta à deste último.
Com o colapso do socialismo acaba a ideologia (e a praxis) que em sua fundamentação e gênese preconizava a necessidade da extensão de sua abrangência a todo o planeta, por meio de ações planejadas de estado, da "exportação da revolução" etc., mas sempre por ações especificamente racionalizadas com este fim; e subsiste a ideologia que, mesmo que em alguma de suas vertentes possa ter aspirado à hegemonia, em nenhuma de suas escolas prega a essa necessidade como absoluta, e de forma alguma interferiu racionalmente neste sentido, exceto, e aqui está o ponto, por se opor passivamente (e nem sempre pacificamente) ao intervencionismo socialista. A minha visão é que o socialismo se opôs a todos os preceitos do liberalismo e atacou cada um deles, enquanto o liberalismo só se opôs a um preceito do socialismo, mas um que é tudo para ele: o seu intervencionismo.
O socialismo não foi viável pela sua burocracia, pelo baixo estímulo individual no mercado direcionado, pela inflexibilidade, e por tantas causas bem conhecidas, que levaram o PIB da URSS a involuir em números relativos e absolutos a partir de meados dos anos 70, mas cujas explicações ainda estão por serem delineadas pelo conhecimento histórico. Não se desconsidere o papel da corrida armamentista neste rol de causas, mas este processo, como uma espada de dois gumes, se é inquestionavelmente uma variável a ser ponderada, feriu os dois oponentes aproximadamente no mesmo grau; apenas as capacidades de resistir ao golpe foram diferentes.
Que resta ao fim do socialismo? O fim da história? Ou seja, a ausência de antagonismo, ou, em outros termos, a falta de antítese, faz cessar o processo (dialético?) da história? O mundo esteve excessivamente acostumado a transpor para todos as esferas (desde a política até a psicológica, passando pela histórica) a realidade da guerra fria, a dicotomia ideológica do mundo do século XX. No compreender dos fautores do fim da história, o homem (o tal "último homem") vai se desmotivar da competição, pelo caráter dominante da cooperação que haverá em todos os níveis, desde entre os Estados até as microesferas da relação social, e se aproximará de uma isothymia (o que é o mesmo que athymia, no meu entender) que o descaracterizará enquanto ser político.
Mas por mais instigante que seja esta linha de pensamento de Fukuyama, por mais erudita e bem fundamentada, e por mais que ele defenda seu ponto de vista alegando uma compreensão histórica processualista em oposição à outra dita evenementiel, há que se ter em conta um par de questões dentre as quais a grande instabilidade que o fim do socialismo lançou no leste europeu e a questão da relativa decadência dos EUA, que inquestionavelmente fazem da situação internacional de hoje, muito menos que um oceano em plena calmaria, uma série de mares revoltos com correntes ainda desconhecidas.
O fato de não se saber os rumos dos processos, o fato de que a situação atual não permite nenhum tipo válido de exercício especulativo (ao qual o historiador não é dado por vocação, diga-se de passagem) não significa em absoluto o fim da história, muito pelo contrário, a ausência de uma ordem internacional (o que no momento chamamos nova ordem) faz necessariamente que os atores ajam, ou seja, que se processem os fenômenos que são característicos da história; da história viva, da história em processo, das transformações sociais, políticas e econômicas que são características da humanidade, quer haja competição quer haja cooperação dominantemente.
E, ainda que não se possa prever o que ocorrerá, pois isto é matéria alheia à ciência, certamente se pode supor sem grande risco de erro que a velocidade das transformações será ainda mais rápida que as anteriores, que os processos serão ainda mais acelerados, pois a contínua aceleração dos processos históricos ao logo da macro-história talvez seja a única lei sobre a qual haja unanimidade, ou seja, ao contrário de um "fim da história", o que se terá será mais história ainda. E o homem, ao invés de se desumanizar, se humanizará mais ainda, passando a buscar a magalothymia na competição e cooperação interagindo dialeticamente, ou em qualquer uma delas, pela busca de sua otimização.
Em artigo exaustivamente veiculado como Introdução a vários volumes de sua organização nas publicações do Fórum Nacional , o ex-Ministro Reis Velloso estabelece uma conexão necessária entre governabilidade e o alcance de um desejável grau de modernidade econômica, política e social.
Quero crer que as adequações institucionais ao mercado, a que me referi acima, sejam as mesmas que levem a estas modernidades, as mesmas capazes de gerar a governabilidade de longo prazo. Isso do ponto de vista segundo o qual as adequações em referência constituam um projeto nacional ideal ou em curso e a mencionada inserção um desiderato coletivo identificado, aspectos estes que, a partir deste ponto, passo a ter como premissa.
Governabilidade em longo prazo, em tempo histórico de longa duração, num mundo completamente interdependente, paradoxalmente submetido (ainda que provisoriamente) à hegemonia dos EUA, significaria alcançar-se uma paz universal que, se desejável do ponto de vista utópico, certamente não se entrevê, pelo menos em curto prazo, sob outra ótica.
Esta governabilidade a longo prazo se aproxima muito do que tem sido chamado "fim da História" por Fukuyama e pelos que lhe seguiram os passos. Esta governabilidade em longo prazo, ou a falta de perspectiva para que ela seja alcançada é que Hobsbawn parece ter se desiludido de ver em nossos dias, por inúmeros problemas locais, alguns ligados a grupos ultranacionalistas, e outros problemas globais como o recrudescimento do xenofobismo e a própria falibilidade do liberalismo keynesiano, mesmo em sua vertente dita neoliberal, em que os países redemocratizados do leste têm se mergulhado, um tanto apressadamente (ainda segundo Hobsbawn).
Ou seja, do conjunto destas opiniões: adequar as instituições às demandas do mercado global alcançando assim a governabilidade seria dar um passo na direção do fim da história, que está tão distante quanto sempre, pois a derrocada do socialismo, ao contrário de simplesmente eliminar os problemas a guerra fria, trouxe de volta antigos problemas que estavam "congelados" pelo socialismo e pela bipolarização.
Este último parágrafo propositalmente mistura as idéias dos autores construindo um paradoxo que, se apresenta uma lógica aparente, posto que frágil, não passa de um artifício meu para argumentação.
Minha tese, pelo contrário, e sou otimista confesso, é que estamos nos aproximando de um tempo em que às condições gerais serão consideravelmente melhores que as de qualquer outro período histórico para qualquer corte geográfico, e no qual os atores globais agirão de uma forma cooperativa muito mais nítida e com uma continuidade positiva no desenvolvimento desta cooperatividade.
Creio que se esteja alcançando no mundo moderno um estágio no qual se perceba que a cooperação é a melhor condição de competição, e vice-versa. Voltarei a este ponto.
Por enquanto pretendo apontar alguns aspectos da ordem internacional como fatores a serem vistos como determinantes para a natureza das transformações institucionais que ora estão em curso e cuja dinâmica e tendências devem ser bem compreendidas para a elaboração de qualquer projeto em longo prazo.
PANORAMA INTERNACIONAL
O primeiro aspecto que pretendo apontar é a questão do liberalismo e do neoliberalismo. Tomado um pelo outro, compreendido em sua forma atual como a unanimidade praticada pelo mercado global, há ainda uma série de realidades diferentes nas quais pretende-se que se pratique uma mesma doutrina (ou exerça a mesma prática) econômica; as discrepâncias entre os hemisférios Norte e Sul, ao contrário de diminuírem, vêm se recrudescendo; dentro do Brasil, a distância entre os mais pobres e os mais ricos é maior nos últimos anos, e a proporção entre uns e outros é ainda mais desigual , na maioria dos nesses a realidade não é muito melhor que aqui. Mesmo no primeiro mundo, malgrado o gigantesco esforço financeiro e gerencial dos países mais ricos, há ainda um enorme fosso entre o Oeste (principalmente os países de democracia estável desde a Segunda Guerra) e o Leste (recém advindo do socialismo).
A este respeito veja-se artigo de Helmut Koln (em VELLOSO, 1993a); por outro lado, há uma pluralidade de liberalismos (enquanto movimento de idéias, enquanto origens distintas, enquanto concepções de estado) que, se ultrapassarmos o extrato comum estabelecido pela economia de mercado e pelo estado mínimo, já estaremos em tantas vertentes quantos são os autores que se dedicam ao tema . Mas também não é o aspecto da gênese ou a tipificação do liberalismo que importa aqui centralmente. O cerne da questão é se o liberalismo é viável, se é compatível com a democracia procedimental (de Bobbio, ainda) ou qualquer outra, e se será a alternativa para integrar parcelas cada vez mais abrangentes ao mercado econômico e político.
O problema que se coloca para o liberalismo neste momento histórico não é o mesmo com o qual ele já se defrontou anteriormente, pois a realidade dos megamercados e da dinâmica dos fluxos de capitais por todo o planeta constituem uma novidade. E não estamos mais questionando se o liberalismo será viável aqui ou ali, ou se durante tanto ou quanto tempo, mas a questão que se apresenta é se o liberalismo é a alternativa que dará conta de regular todo o mercado global e todos os mercados globais, o político, o econômico, e o social, satisfazendo crescentemente às complexas demandas que continuamente crescem em cada um destes setores.
Esta questão sobre a hegemonia do liberalismo e sua viabilidade decorre de uma outra que é não menos importante para a compreensão da ordem atual, bem como aponta seguramente caminhos pelos quais não se pretende (ou pelo menos não sei de quem mais pretenda) caminhar: o fim do "socialismo real", ou seja, sua capitulação face à economia de mercado no final dos anos 80 recoloca determinadas questões sobre a concepção de mundo no estágio em que estavam no século XIX, ao mesmo tempo em que lança o mundo no século XXI avant la letre, ainda nos anos 90. No pensamento de Hobsbawn (op.cit.) o século XX teria sido a era em torno da Revolução de Outubro. E este tempo acabou. Aliás acabou tudo, ou pelo menos Hobsbawn – malgrado sua discordância com Fukuyama – deu seu adeus a tudo aquilo, ainda que o fazendo numa direção completamente oposta à deste último.
Com o colapso do socialismo acaba a ideologia (e a praxis) que em sua fundamentação e gênese preconizava a necessidade da extensão de sua abrangência a todo o planeta, por meio de ações planejadas de estado, da "exportação da revolução" etc., mas sempre por ações especificamente racionalizadas com este fim; e subsiste a ideologia que, mesmo que em alguma de suas vertentes possa ter aspirado à hegemonia, em nenhuma de suas escolas prega a essa necessidade como absoluta, e de forma alguma interferiu racionalmente neste sentido, exceto, e aqui está o ponto, por se opor passivamente (e nem sempre pacificamente) ao intervencionismo socialista. A minha visão é que o socialismo se opôs a todos os preceitos do liberalismo e atacou cada um deles, enquanto o liberalismo só se opôs a um preceito do socialismo, mas um que é tudo para ele: o seu intervencionismo.
O socialismo não foi viável pela sua burocracia, pelo baixo estímulo individual no mercado direcionado, pela inflexibilidade, e por tantas causas bem conhecidas, que levaram o PIB da URSS a involuir em números relativos e absolutos a partir de meados dos anos 70, mas cujas explicações ainda estão por serem delineadas pelo conhecimento histórico. Não se desconsidere o papel da corrida armamentista neste rol de causas, mas este processo, como uma espada de dois gumes, se é inquestionavelmente uma variável a ser ponderada, feriu os dois oponentes aproximadamente no mesmo grau; apenas as capacidades de resistir ao golpe foram diferentes.
Que resta ao fim do socialismo? O fim da história? Ou seja, a ausência de antagonismo, ou, em outros termos, a falta de antítese, faz cessar o processo (dialético?) da história? O mundo esteve excessivamente acostumado a transpor para todos as esferas (desde a política até a psicológica, passando pela histórica) a realidade da guerra fria, a dicotomia ideológica do mundo do século XX. No compreender dos fautores do fim da história, o homem (o tal "último homem") vai se desmotivar da competição, pelo caráter dominante da cooperação que haverá em todos os níveis, desde entre os Estados até as microesferas da relação social, e se aproximará de uma isothymia (o que é o mesmo que athymia, no meu entender) que o descaracterizará enquanto ser político.
Mas por mais instigante que seja esta linha de pensamento de Fukuyama, por mais erudita e bem fundamentada, e por mais que ele defenda seu ponto de vista alegando uma compreensão histórica processualista em oposição à outra dita evenementiel, há que se ter em conta um par de questões dentre as quais a grande instabilidade que o fim do socialismo lançou no leste europeu e a questão da relativa decadência dos EUA, que inquestionavelmente fazem da situação internacional de hoje, muito menos que um oceano em plena calmaria, uma série de mares revoltos com correntes ainda desconhecidas.
O fato de não se saber os rumos dos processos, o fato de que a situação atual não permite nenhum tipo válido de exercício especulativo (ao qual o historiador não é dado por vocação, diga-se de passagem) não significa em absoluto o fim da história, muito pelo contrário, a ausência de uma ordem internacional (o que no momento chamamos nova ordem) faz necessariamente que os atores ajam, ou seja, que se processem os fenômenos que são característicos da história; da história viva, da história em processo, das transformações sociais, políticas e econômicas que são características da humanidade, quer haja competição quer haja cooperação dominantemente.
E, ainda que não se possa prever o que ocorrerá, pois isto é matéria alheia à ciência, certamente se pode supor sem grande risco de erro que a velocidade das transformações será ainda mais rápida que as anteriores, que os processos serão ainda mais acelerados, pois a contínua aceleração dos processos históricos ao logo da macro-história talvez seja a única lei sobre a qual haja unanimidade, ou seja, ao contrário de um "fim da história", o que se terá será mais história ainda. E o homem, ao invés de se desumanizar, se humanizará mais ainda, passando a buscar a magalothymia na competição e cooperação interagindo dialeticamente, ou em qualquer uma delas, pela busca de sua otimização.
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